quarta-feira, 2 de abril de 2008

A HIPERATIVIDADE



HIPERATIVIDADE: DOENÇA OU RÓTULO?


“Segundo a literatura americana, a hiperatividade é o distúrbio de comportamento mais freqüentemente diagnosticado na criança. No Brasil, principalmente nos grandes centros, cada vez mais a Disfunção Cerebral Mínima (DCM) ganha popularidade, geralmente associada à questão do fracasso escolar. Trata-se de um diagnóstico feito tanto por professores e pais como por pediatras, neurologistas, psicólogos e psiquiatras. Afinal o que vem a ser a hiperatividade ? Uma doença? Uma patologia psiquiátrica? Um distúrbio do aprendizado? Ou uma alteração de comportamento?

Apesar dos inúmeros estudos sobre a hiperatividade e de todo o avanço tecnológico da medicina, não se conseguiu detectar nenhuma alteração orgânica, que possa ser considerada causa da hiperatividade. Este fato levou a mudança do conceito de lesão para disfunção, isto é, não mais uma alteração anatômica, mas agora alterações mínimas na função cerebral, com repercussão específicas sobre o comportamento da criança. Simultaneamente começam a surgir publicações que contradizem afirmações já aceitas, questiona-se a validade do uso de drogas no tratamento das crianças.

Como se caracteriza a hiperatividade ou a DCM para a medicina? Classicamente a criança hiperativa é aquela que apresenta um conjunto variável de comportamentos inadequados, como movimentação física excessiva e despropositada, dificuldade para se concentrar em tarefas propostas, agressividade difusa e não justificada, associadas à queixa de mau rendimento escolar. Propõe-se com tratamento o uso de drogas estimulantes e calmantes. Em algumas publicações aparece a indicação para que, junto com a medicação, sejam tomadas medidas de apoio, como psicoterapia ou atividades educativas especiais. O ponto fundamental agora é discutir a abordagem destas crianças. Na nossa experiência de nove anos de atendimento ambulatorial de crianças em idade escolar no Projeto-Escola, assim como na de vários autores, entre as crianças referidas com hiperatividade freqüentemente este diagnóstico não era confirmado, considerando-se a hiperatividade apenas como uma característica da criança. Nossa postura é de considerar a hiperatividade como um “sintoma” de uma problemática vivenciada pela criança e procurarmos identificar as múltiplas causas envolvidas na gênese deste comportamento.

Nossa atuação diante destas crianças tem sido a de tentar enrtendê-las em seus diferentes microssistemas: a família, a escola e a comunidade. Através da história de vida procurar identificar situações de conflito, analisar as condições de escolarização, entender as suas características individuais e as relações intrafamiliares, para nos aproximarmos da problemática explicitada na queixa de hiperatividade. Chamamos atenção para uma tendência que acompanha a medicalização, que é a psicologização ou mesmo a pedagogização destas crianças , quando vistas sob um único ângulo. Para aquelas crianças com problemas, sem dúvida, a avaliação de um único profissional é insuficiente, necessitando-se de um abordagem multiprofissional.

Concluindo, achamos que diante de um problema que se coloca, menos como uma entidade clínica e mais como um comportamento gerado por questões sociais, pedagógicas ou decorrentes da dinâmica familiar, a atuação dos profissionais envolvidos com esta crianças deva ser no sentido de, ao invés de aplicar rótulos e propor soluções medicalizantes, procurar entender os determinantes envolvidos, equacionando o problema e identificando formas específicas de ajuda à criança. Ao pediatra, apesar da nossa critica à medicalização , cabe, no momento atual, uma atuação, pois há uma demanda efetiva a este profissional, com expectativas que necessitam ser respondidas, de uma forma que contribua para reverter esta situação. Entendemos que, para os professores, o conhecimento da história e do desenvolvimento do conceito de hiperatividade pode ajudá-los a ter uma visão diante do problema, principalmente, desmitificando-o enquanto uma “doença responsável pelo mau rendimento escolar.”